De Clara Averbuck
Cá estou eu, atirada no chão. Sozinha, quietinha, sem escândalo. Quando chega alguém, levanto ligeiro, com as pouquinhas forças que me restaram. Eu, sempre enorme, encolho e desabo quando não há ninguém por perto. Escorro entre cinzeiros e copos e garrafas do que sobrou do meu quarto e fico imóvel.
Às vezes eu choro.
Ainda tenho algumas lagriminhas guardadas e elas sempre pingam quando menos espero. Estou ali existindo quando elas sobem e chovem e eu choro e o sentimento de abandono me inunda. Não suporto bagunça, mas faz dias que meu quarto está inabitável. Não quero arrumar nada. Arrumar seria esquecer e sacudir a poeira de tudo. Não quero. Recuso-me a sacudir meu muso dos lençóis. É só o que me restou.
Fico imaginando como seria se você fosse verdadeiro. Se você fosse sincero, não tivesse criado todos os atos e máscaras para me enganar e tentar fugir de si mesmo. Pobre de ti, meu falso amor. Não sabia que encontraria em mim tudo o que não conseguiu ser. E que fugiria, tentando me jogar para trás e ignorar o grande covarde que é. Contando para o mundo o que viu em mim e rindo, como se me desprezasse. Tentou me transformar em mais uma boceta na sua vida, mas sabe, todos sabem que não. Quis ser o maior filho da puta que já pisou na terra para tentar salvar seu ego frágil e invertebrado de menino que naufragava cada vez que olhava para si mesmo, quis me afogar e continuar flutuando. Até que me jogou para longe e nadou até a terra de ninguém, achando que estaria livre de mim.
Não, meu querido. Você nunca vai se livrar de mim. É como querer se livrar do céu. Você nunca vai se livrar de mim. Para o resto dos seus dias, estarei presente como o ar, sempre à sua volta. Você vai se debater e tentar trancar a respiração, enterrar a cabeça no chão e me desaparecer.
Eu não desapareço.
Minha onipresença será o seu castigo. Mas não pense que vou te esnobar, pisar em você, te punir. Eu não. A vida se encarregará de você. Eu não. Vou sempre te olhar com tristeza, com saudades do que não chegamos a ser. Vou pensar na vida que não tivemos, nas manhãs que não existiram, nos anos que não passaram. Nos filhos que não fizemos, nas rugas e cabelos brancos que não cultivamos. E droga, como quis isso tudo. Como dói pensar que você jogou nossa vida fora. Estragou tudo e escolheu nos afogar. Nos matar. E conseguiu. Você nos matou.
Ainda bem que nós, gatos, temos sete vidas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário