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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sete Vidas

De Clara Averbuck

Cá estou eu, atirada no chão. Sozinha, quietinha, sem escândalo. Quando chega alguém, levanto ligeiro, com as pouquinhas forças que me restaram. Eu, sempre enorme, encolho e desabo quando não há ninguém por perto. Escorro entre cinzeiros e copos e garrafas do que sobrou do meu quarto e fico imóvel.

Às vezes eu choro.

Ainda tenho algumas lagriminhas guardadas e elas sempre pingam quando menos espero. Estou ali existindo quando elas sobem e chovem e eu choro e o sentimento de abandono me inunda. Não suporto bagunça, mas faz dias que meu quarto está inabitável. Não quero arrumar nada. Arrumar seria esquecer e sacudir a poeira de tudo. Não quero. Recuso-me a sacudir meu muso dos lençóis. É só o que me restou.

Fico imaginando como seria se você fosse verdadeiro. Se você fosse sincero, não tivesse criado todos os atos e máscaras para me enganar e tentar fugir de si mesmo. Pobre de ti, meu falso amor. Não sabia que encontraria em mim tudo o que não conseguiu ser. E que fugiria, tentando me jogar para trás e ignorar o grande covarde que é. Contando para o mundo o que viu em mim e rindo, como se me desprezasse. Tentou me transformar em mais uma boceta na sua vida, mas sabe, todos sabem que não. Quis ser o maior filho da puta que já pisou na terra para tentar salvar seu ego frágil e invertebrado de menino que naufragava cada vez que olhava para si mesmo, quis me afogar e continuar flutuando. Até que me jogou para longe e nadou até a terra de ninguém, achando que estaria livre de mim.

Não, meu querido. Você nunca vai se livrar de mim. É como querer se livrar do céu. Você nunca vai se livrar de mim. Para o resto dos seus dias, estarei presente como o ar, sempre à sua volta. Você vai se debater e tentar trancar a respiração, enterrar a cabeça no chão e me desaparecer.

Eu não desapareço.

Minha onipresença será o seu castigo. Mas não pense que vou te esnobar, pisar em você, te punir. Eu não. A vida se encarregará de você. Eu não. Vou sempre te olhar com tristeza, com saudades do que não chegamos a ser. Vou pensar na vida que não tivemos, nas manhãs que não existiram, nos anos que não passaram. Nos filhos que não fizemos, nas rugas e cabelos brancos que não cultivamos. E droga, como quis isso tudo. Como dói pensar que você jogou nossa vida fora. Estragou tudo e escolheu nos afogar. Nos matar. E conseguiu. Você nos matou.

Ainda bem que nós, gatos, temos sete vidas.

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